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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

The Eisenmann Number Project







O matemático húngaro Paul Erdős (1913 - 1996) foi um dos mais produtivos matemáticos de todos os tempos. Como todo bom gênio matemático, possui uma lista infindável de excentricidades: acredita-se que era assexuado e é provável que não tenha tido qualquer contato sexual em toda sua vida; chamava as crianças de épsilons (letra grega tipicamente utilizada para representar quantidades infinitamente pequenas); tomava anfetaminas para manter sua produtividade matemática em alto índice; não dava absoluta atenção a dinheiro e livrava-se dele oferecendo recompensas a seus alunos para motivá-los a resolver algum problema matemático.

Erdős envolveu-se em muitas áreas da matemática, porém suas maiores contribuições concentravam em análise combinatória, teoria dos grafos e teoria dos números. Gostava de resolver os problemas de forma simples e elegante, valorizando a estética da solução. Ao contrário do que o perfil do tipo gênio distraído possa sugerir, Erdős foi um matemático excepcionalmente colaborativo, raramente publicava sozinho, tornando a matemática de fato uma atividade social.

Em homenagem a Paul Erdős a comunidade matemática inventou um pitoresco conceito que ajuda a mostrar quão colaborativo ele foi, é o chamado Número de Erdős. Em linhas gerais a coisa funciona assim: Uma pessoa possui o número de Erdős igual a 1 se colaborou com o próprio Paul Erdős em um artigo matemático. Se alguém colaborou com alguém que colaborou com Paul Erdős (e não colaborou com o próprio, é claro) ganha número de Erdős igual a 2. A única pessoa que possui número de Erdős igual a zero é o próprio Paul Erdős. Os detalhes podem ser verificados na página  Erdos Number Project.

Mesmo depois da morte de Erdős em 1996 a rede dos números de Erdős não para de crescer, porém, como o leitor mais astuto irá perceber, é impossível que surja um novo nome entre aqueles que possuem número de Erdős 1, portanto esta lista de 511 não aumentará jamais. No momento em que todos essas 511 pessoas falecerem não haverá chance da lista de 8162 nomes dos que possuem número de Erdős 2 aumentar. O grafo formado pelos números de Erdős é muito estudado pela comunidade matemática e hoje em dia conta com uma enorme quantidade de vértices e arestas.

A idéia dos números de Erdős alçou vôo e atingou novas cearas, algumas tão improváveis quanto Holywood. Três estudantes da Albright College inventaram o jogo Six Degree of Kevin Bacon e a idéia é calcular a distância de um ator ou atriz qualquer até o ator Kevin Bacon, sim aquele mesmo de Footlose, alguém lembra? Funciona assim: qualquer ator que tenha participado de um filme que Bacon também tenha participado recebe o número 1. Se um ator nunca foi colega de Bacon em nenhum filme, mas foi um colega de alguém que foi colega de Bacon, recebe o número 2 e assim por diante. Esses números foram batizados com Números de Bacon. Assim como um número de Bacon mede a distância de um ator até Kevin Bacon, um número de Erdős mede a distância de um matemático até Paul Erdős.

Na onda desses números algumas pessoas, entre elas Simon Singh (autor de O Último Teorema de Fermat, O Livro do Código e Big Bang), ajudaram a popularizar a idéia dos Números de Erdős-Bacon. Um número Erdős-Bacon de uma pessoa é definido como a soma de seu número de Erdős com seu número de Bacon. Esses novos números não teriam tanta graça se não houvesse pessoas que possuam os dois números, o que parece ser o caso num primeiro momento. Porém, surpreendentemente Carl Sagan, Stephen Hawking e Richard Feynmann, só para citar os mais famosos, figuram nesta lista. Mais surpreendentemente ainda é o fato de que há sim no mínimo uma mulher bonita, a atriz Danica McKellar, incluida na lista. Ela possui número de Erdős 4, número de Bacon 2 e, naturalmente número de Erdős-Bacon igual a 6.

Os jogadores de Go também tem seu número, é o número de Shusaku que mede a distância de um jogador até o mestre do Go, Honinbo Shusaku. Os critérios para calcular o número de Shusaku são parecidos aos que já vimos para os outros dois números e o leitor poderá ver na página da wikipedia referente ao Número de Shusaku.

Os números de Eisenmann

Ao contrário de Paul Erdős que não dá atenção ao dinheiro, de Kevin Bacon que já tem muito dinheiro (pelo menos eu acho), e de Honinbo Shusaku que joga Go como ninguém, eu, é, eu mesmo, dou sim atenção ao dinheiro, não tenho muito, e não consigo ganhar de ninguém no Go. Para piorar minha situação estou morando em Manaus, a milhares de quilômetros de São Paulo, minha cidade natal, longe de familiares e amigos.

Porém, não vou ficar me lamentando e para dar um fim nesses "problemas" vou seguir a comunidade matemática e inventar meu próprio número, o número de Eisenmann. Para calcular seu número de Eisenmann observe as regras abaixo:



  • Alexandre L K Eisenmann possui número de Eisenmann 0.
  • Aqueles que presentearam Alexandre com uma cédula monetária válida brasileira possuem número de Eisenmann 1
  • Aqueles que presentaram alguém com número de Eisenmann N, possuem número de Eisenmann N+1

Como vocês viram, a regra é muito simples, e tem tudo para virar o último grito da moda. Para incentivar o encontro das pessoas defino aqui uma cláusula importante: É necessário que as notas sejam entregues pessoalmente, não vale depósito em conta ou qualquer outro tipo de trâmite. Sim, quem quiser ganhar o número de Eisenmann 1 terá que vir a Manaus e entregar pessoalmente sua nota, ou esperar que eu vá até São Paulo ou qualquer outro lugar para me encontrar. Por outro lado, vocês não precisam dar a nota pra mim. Para participar basta entregar sua nota para qualquer outra pessoa que possua número de Eisenmann, em troca você ganha um número de Eisenmann e seu nome aparecerá neste Blog com direito a um link direto a sua própria página.

Ainda não criei uma infraestrutura tecnológica com a estatura que os números de Eisenmann merecem, porém prometo fazê-lo assim que a idéia ganhar corpo. Por hora estabeleci critérios muito simples para garantir o bom funcionamento do processo. Qualquer um que quiser obter um número de Eisenmann deverá seguir os passos abaixo:



  1. Confira na lista oficial e encontre alguém, digamos o João, que possui um número de Eisenmann, digamos N.
  2. Escolha uma cédula (recomendo uma nota de 1 real), ANOTE seu número de série e dê para o João.
  3. Mande um email para a conta do projeto The Eisenmann Number Project com o seguinte texto: "Olá, meu nome é <nome completo> e entreguei a nota D6704067147C para alguém que possui número de Eisenmann na cidade de <nome da cidade>. Por favor inclua este link ao lado de meu nome aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.com.br". Note que será possível acompanhar a trajetória de uma nota, outro projeto bastante interessante.

  4. João, por sua vez, ao receber a cédula DEVERÁ NECESSARIAMENTE enviar um email para a conta do projeto The Eisenmann Number Project com o texto: "Recebi a nota D6704067147C, por favor, atualize as informações necessárias".
  5. De posse destas informações o The Eisenmann Number Project incluirá seu nome no grafo e na lista.

Essa coleção de regras presume algo que considero importante. Deverá haver algum grau de amizade ou confiança na transação pois quem dá o dinheiro quer ter certeza de que o outro atualizará as informações. Acredito que esta rede social crescerá lenta, porém constante a medida que as pessoas simpatizarem com a idéia. Como ninguém deu ainda uma nota pra mim a lista das pessoas com número de Eisenmann só possui um nome, o meu próprio. Confira:
































































D
Nome/link/Cidade/Data/Cédula/Ligação
  Número de
Eisenmann
Índice
de Becker
1
Alexandre Luís Kundrát Eisenmann
http://www.humanomatica.blogspot.com 
0

2Fabiana Cardeal de Godoy Eisenmann
Manaus
28/11/2007
B0659072987A
Entregou nota para o ID=1
12,000000
3
Hamilton Jacques Cardeal de Godoy
http://hamiltongodoy.blogspot.com/
Manaus
28/11/2007
B0661005084A
Entregou nota para o ID=1
1 0,000000
4
Cassiano Otavio Becker
Manaus
29/11/2007
B0336008742A
Entregou nota para o ID=1
10,000000
5
Rafael Ferreira Barcelos
http://www.linkedin.com/in/rbarcelos
Manaus
03/12/2007
B0662061838A
Entregou nota para o ID=1
10,000000
6
Paulo Sérgio Werneck Coelho Filho
Manaus
06/12/2007
A9407078925A
Entregou nota para o ID=2
2
0,000000
7
Maria Suely Ramos dos Santos
Manaus
08/12/2007
B0416018283A
Entregou nota para o ID=2
20,000000
8Andrea Lauriello Eisenmann Bento
Manaus
11/02/2008
B2459011171A
Entregou nota para o ID=1
10,000000
9Regina Kundrát Eisenmann
Manaus
15/02/2008
A9690083133A
Entregou nota para o ID=1
10,000000
10José Henrique Nogueira Eisenmann
Manaus
15/02/2008
B2388085850A
Entregou nota para o ID=1
10,000000
11

Ricardo Kundrát Eisenmann


http://www.orkut.com/

Profile.aspx?

uid=4398866855055886232

São Paulo
06/03/2008
A1504016200A
Entregou nota para o ID=1

10,000000

A cada novo nome a lista será atualizada. Não apresentarei endereço de email porém manterei nos cadastros o número de cédula utilizada e as informações enviadas. No futuro será possível acompanhar a trajetória de uma nota individual nas suas relações com a rede dos números de Eisenmann.


Índice de Becker

O índice de Becker foi projetado e proposto por Cassiano Otavio Becker, ele próprio um número de Eisenmann 1. Para calcular o índice de Becker devemos dividir o número de pessoas que você agregou para a rede pelo seu número de Eisenmann. Por exemplo, suponha alguém que possui número de Eisenmann igual a 2 e que recebeu cédulas de 7 outras pessoas. Essa pessoa possui índice de Becker igual a 3,500000.

Formalmente, considere a rede dos números de Eisenmann um grafo. Cada vértice do grafo é uma pessoa com número de Eisenmann, cada aresta liga uma pessoa àquela que recebeu sua cédula. O índice de  Becker de um vértice (de uma pessoa) é calculado dividindo-se seu grau menos 1 (grau do vértice é um conceito formal relacionado a grafos) por seu número de Eisenmann. A idéia é incentivar as pessoas a contribuirem com o crescimento da própria rede dos números de Eisenmann.


FAQ

Porque eu entraria neste projeto?
Além de contribuir para a matemática e a ciência, você poderá ganhar dinheiro, afinal outros poderão lhe lar cédulas de presente. Além disso se a moda pega, seu nome constará da lista. Lembre-se que a moda hoje é ser meio nerd (Bill Gates, Steve Jobs, Richard Dawkins, Danica McKellar, etc...) e não há melhor forma de provar sua nerdabilidade do que este tipo de projeto. Ser nerd é cool! não se esqueça disso. Se não acredita leia este artigo da revista Superinteressante.

O projeto é uma espécie de pirâmide onde eu perderei dinheiro e alguém ganhará?
É claro que não, as regras estão claras. Note que mesmo que o projeto seja um sucesso posso ganhar apenas R$ 1,00. Pensando de uma maneira mercantilista, o projeto também é viável, afinal você pode ceder uma nota para entrar no projeto e receber várias de outros que estão ingressando, porém, e isso é importante, o dinheiro que você recebeu não "flui" para nenhuma outra pessoa, ele fica com você.

O que devo fazer com o dinheiro que ganhar?
Faça o que quiser. No meu caso porém, estou pensando em fazer algo socialmente responsável, para usar um termo da moda.

Se já possuo um número de Eisenmann, digamos 20, e entregar uma nota para alguém de número 3, o que acontece?
Seu número de Eisenmann é atualizado para 4 e todas as pessoas das quais você recebeu cédulas terão seus números de Eisenmann atualizados, recursivamente.

Se já possuo um número de Eisenmann, digamos 3, e entregar uma nota para alguém de número 20, o que acontece?
Nada.

Que tipo de cédula devo utilizar?
Sugiro utilizar notas de 1 real, afinal sai mais barato, porém o projeto aceita qualquer tipo de nota que tenha um número de série válido.

Como devo referenciar o projeto em trabalhos acadêmicos?
Por hora, basta citar nosso nome "The Eisenmann Number Project", no momento que tiver um endereço específico com mais informações atualizo o blog.

Por que utilizar um nome em inglês para o projeto, afinal você é brasileiro?
Pensei muito sobre isso e realmente queria colocar o nome em português, mas ao final escolhi o inglês por uma questão de similaridade com os outros projetos do gênero, The Erdős Number Project ou The Bacon Number Project.

O que fazer se a pessoa que recebeu meu dinheiro não mandar o email?
Ligue para ela e insista, caso contrário, seu nome não aparecerá na lista e você perdeu seu dinheiro.

Por que não gasta seu tempo calculando os números de Piovani, pontuando aqueles que namoraram a atriz num formato parecido ao proposto?
Bom... a idéia é boa mas fiquei relutante em expor a vida de outras pessoas neste espaço. Além disso não é tão nerd, e, como vocês sabem, ser nerd é Chique!




quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O Mestre Azulejista



Marcílio Santos é um mestre azulejista. Domina a arte de ladrilhar uma superfície como ninguém. Marcílio possui uma pequena oficina em sua residência onde ele também produz azulejos de diversas padronagens e tamanhos. Marcílio é capaz de desenvolver uma padronagem tão complexa que torna a vida dos aprendizes bastante difícil, é como um quebra-cabeça.

Marcílio levou uma infância difícil, sétimo filho de oito crianças. Seu pai, Edinaldo, fora pedreiro toda a vida e foi dele que Marcílio recebeu a motivação que modelaria seu destino. Edinaldo dizia que a profissão de pedreiro não era valorizada e que, se ele queria ser alguém, deveria ser azulejista como seu amigo Sebastião, esse sim, bem de vida.

Marcílio estudou até a quarta série, aprendeu a ler e também as quatro operações. Edinaldo preocupou-se com o futuro do filho, então, tão logo quanto pode, tirou Marcílio da escola para que pudesse trabalhar na construção civil, essa sim uma atividade útil e importante.

Sebastião se encarregou do treinamento de Marcílio e logo se espantou com a habilidade do rapaz. Marcílio era um excelente desenhista e um cortador meticuloso, cuidadoso e concentrado. Marcílio nunca desperdiçava material além de fazer um trabalho extremamente limpo na montagem, com poucas sobras e sem sujeira. Em pouco tempo, o menino superou o mestre e aos 16 anos já era conhecido como melhor azulejista da região.

Conforme aperfeiçoava-se em seu ofício, Marcílio desenvolvia uma obsessão. Ao contrário dos azulejistas comuns que ladrilhavam uma parede com as peças que seu cliente comprava, Marcílio acreditava que os azulejos deveriam ser especialmente projetados para determinada parede. Assim, ele primeiro visitava seu cliente, media a parede, planejava o trabalho, emitia um orçamento e, quando aprovado, produzia os azulejos.

O grande momento para Marcílio era a montagem final, onde ele ia pessoalmente encaixar todos os azulejos recentemente produzidos. Era neste momento que ele via o resultado de todos os seus esforços. Nunca era necessário quebrar uma peça. Marcílio calculava a dimensão de seus azulejos de maneira a nunca precisar recortar ou incluir qualquer azulejo cortado na parede.

Essa era a sua obsessão, sua motivação e seu motivo de orgulho. Apesar da pouca instrução, ele era capaz de calcular a dimensão exata que as peças precisavam ter para encaixar corretamente na superfície disponível. Numa parede de 8,346 m X 3,852 m, por exemplo, era necessário utilizar azulejos de lado igual a 10,7 cm para possibilitar um perfeito encaixe sem que nenhuma peça precisasse ser cortada.

Às vezes o resultado dos cálculo apontavam para medidas extremas para os azulejos, ou muito pequenas ou muito grandes. Quando as peças necessárias eram pequenas demais Marcílio insistia na mudança da dimensão da própria parede, o que normalmente não era possível. Porém, mesmo quando era obrigado a abrir uma concessão, o fato de que havia sim uma medida ideal o confortava, mesmo quando inaplicável na prática.

Um dia o mundo de Marcílio desmoronou. Enquanto gabava-se para um cliente de que sempre poderia calcular a dimensão ideal de um azulejo, independente do tamanho da parede, de forma a evitar qualquer tipo de corte nas peças e um encaixe final perfeito, ouviu a frase que mudaria seu humor daí para diante: "Não é verdade! dependendo da dimensão da parede pode ser impossível calcular um azulejo ideal!". De início, Marcílio adorou o comentário, pois deu a ele a oportunidade de explicar seu método.

O cliente não cedeu, insistindo de que isso havia sido provado a mais de 4000 anos atrás e de que não valia a pena discutirem a questão. Segundo o cliente, estava relacionado com a prova da existência dos números irracionais, precisamente com a demonstração de que o lado do quadrado não é comensurável com sua diagonal.

O cliente, tentou traduzir para Marcílio da seguinte forma. Escolha uma medida qualquer e chame de medida 1, agora forme um quadrado com o lado igual a medida 1, pegue a diagonal deste quadrado e chame de medida 2. Finalmente, considere uma parede retangular com as dimensões iguais a media 1 x medida 2. Pronto, não é possível fabricar qualquer azulejo capaz de ladrilhar perfeitamente a parede.

De fato, um discípulo de Pitágoras fez esta demonstração, provando que a diagonal de um quadrado não é comensurável com seu lado, isto é, não há medida comum entre estas duas grandezas de forma que ambas sejam múltiplas desta medida. A partir daí foi provado a existência de números que não podem ser representados por frações, que modernamente chamamos de irracionais. Conta-se que este discípulo foi morto pela irmandade pitagórica, afinal ele quebrou a ilusão da escola de que todas as grandezas da natureza podiam ser representada por números inteiros ou frações.

Marcílio não entendeu o argumento, porém perdeu a alegria que seu ofício lhe dava, desconfiando sempre que alguém poderia solicitar um serviço impossível. De qualquer maneira, isso também era impossível, afinal Marcílio recebia ou media previamente as dimensões das paredes nas quais ia trabalhar. Porém, as medidas obtidas pelos instrumentos humanos sempre permitiam que o procedimento de Marcílio funcionasse. Para que houvesse uma falha a trena do Marcílio deveria ser capaz de medir números irracionais, com infinitas casas decimais não periódicas.

A história de Marcílio ilustra uma das principais passagens na história da matemática, a descoberta da incomensurabilidade e dos números irracionais. Se dispuséssemos de ferramentas de medidas infinitas, de fato haveria dimensões impossíveis de ladrilhar utilizando azulejos quadrados. É o caso por exemplo de uma parede de 1 metro por raiz de 2 metros. Em todo caso, Marcílio poderia ficar descansado, nenhum instrumento do mundo pode medir de fato um parede com comprimento de raiz de 2 metros, pelo menos, não com esta precisão absoluta.


segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Não tem urso polar na Antártida!


Nossa cultura premia os grandes resolvedores de problemas, porém não damos muita bola para seus criadores. Sob certo ponto de vista, propor problemas é tão ou mais importante quanto resolvê-los, alarga as fronteiras do que não sabemos e motiva nossas melhores mentes na busca de sua resolução.

Criar uma nova charada e compor um belo enunciado não é tarefa fácil. Deve ser simples o suficiente para captar a atenção das pessoas, difícil o suficiente para desafiá-las e informativo o suficiente para tornar a charada solúvel.

As charadas clássicas ilustram bem a natureza dos grandes problemas. São fáceis de enunciar e capazes de desafiar. Por outro lado nem sempre os enunciados são bons o suficiente para mostrar toda a profundidade do tema.

De certa maneira sou um colecionador de problemas e charadas. Quando sou desafiado tenho o péssimo hábito de ir até meu limite para tentar resolvê-lo. Se considero a charada boa o suficiente nunca a esqueço e repasso sempre que posso correndo o risco de ser chato e arrogante.

Entre toda a fauna de problemas que memorizei, há uma classe especial, ou melhor, uma espécie de segunda divisão. Eles tem grande potencial para ingressar na primeira divisão mas são imperfeitos. São charadas conhecidas, e muitos de vocês já foram expostos a elas, mas alguns detalhes em sua estrutura compromete a qualidade geral. No fundo acredito poder remendar estes casos e, enfim, permitir que todos vejam o que estava escondido.

Por hora, mostrarei um exemplo:
Uma pessoa anda 1 km na direção SUL, depois mais 1 km na direção LESTE e, finalmente, mais 1 km na direção NORTE. E aí verifica que acabou voltando exatamente para o ponto inicial de onde saiu. Nesse momento, essa pessoa vê um urso. Pergunta-se: de que cor era esse urso?

Para aqueles que não o conhecem vale a pena gastar algum tempo. Se esse for o seu caso pare de ler neste instante pois vou estragar o desafio.

Logo vocês perceberão que se estivermos no Polo norte e seguirmos os passos descrito chegaremos de fato no mesmo ponto que saímos. Bom, daí fica fácil, o urso deve ser branco afinal trata-se de um urso polar.

A resposta acima é correta, porém o problema é muito mais interessante do que parece e o enunciado não contribui para que isso seja percebido. Dá a impressão que só existe um ponto no globo com essa propriedade, o Polo norte, porém isso definitivamente não é verdade. No hemisfério sul EXISTEM INFINITOS pontos com a mesma propriedade, como mostrarei para vocês.

Antes, porém, deixem-me explicar porque considero a resposta correta. Todos estes pontos do hemisfério sul estão muitos próximos do Polo sul. Como lá não existem ursos, podemos ignorá-los para os propósitos do problema, afinal, o enunciado diz que encontramos um urso, portanto devemos estar necessariamente no Polo norte.

Voltando ao problema, afirmo que todos os pontos do globo que distam aproximadamente 1/2pi + 1 = 1,159 km do Polo sul tem a mesma propriedade do ponto que se localiza exatamente no Polo norte. Parece incrível não é? Afinal, o que estes pontos tem de especial quando comparados com todos os outros?

Partindo de qualquer um destes pontos, depois de caminharmos 1 quilometro para o sul, estaremos numa posição privilegiada. Esta posição permite darmos a volta na Terra andando apenas um quilometro para leste.

O leitor neste ponto deverá dar uma pausa para compreender o que foi dito. Para ajudar lembro que se estivermos no equador e quisermos dar uma volta completa na Terra devemos caminhar o equivalente a circunferência da Terra, porém quando maior nossa latitude menos devemos caminhar para completar uma volta culminando no Polo sul onde podemos caminhar zero milímetros para atingirmos este objetivo. Portanto, em algum ponto, entre a linha do equador e o Polo sul poderemos dar a volta na Terra caminhando exatamente 1 quilometro. Este ponto ideal será atingido depois de caminharmos 1 quilometro para o Sul a partir dos pontos que calculamos.

Ora, se voltamos ao mesmo lugar, e caminharmos novamente 1 km para o norte atingiremos o ponto de origem novamente.

Enfim, existem infinitos pontos no globo onde podemos efetuar as instruções propostas na charada e retornar ao mesmo lugar. Apenas 1 fica no hemisfério norte e todos os outros no hemisfério sul. Considero o enunciado desta charada imperfeito pois não dá nenhuma informação quanto aos pontos do hemisfério sul, pior, a charada pode ser resolvida corretamente mesmo que a pessoa não perceba a existência destes pontos.

Em outra ocasião apresentarei outros problemas da segunda divisão e quem sabe recebo algumas sugestões de como remendá-los.

Uma última palavra. Quando calculei a localização dos pontos do hemisfério sul, mencionei a palavra 'aproximadamente'. São dois os motivos: Um porque a Terra, como todos sabemos, não é exatamente esférica. O outro motivo se deve ao fato de eu ter ignorado a curvatura da Terra na parcela (1/2pi) para simplificar os cálculos.

Esqueci de algum ponto?

Escrevo este parágrafo semanas depois de ter postado o artigo e parece que há ainda mais pontos a serem considerados. Agradeço meus leitores que rapidamente perceberam a existência destes pontos remotos, localizados ainda mais ao sul. Para vê-los basta estender o raciocínio previamente utilizado.

Recapitulando, existe uma latitude onde podemos dar a volta na Terra caminhando apenas 1Km para o leste. Ora, então existe uma latitude, neste caso maior, onde podemos dar 2 voltas na Terra, 3 voltas na Terra, ou quantas voltas na Terra desejarmos. Enfim, há ainda uma infinidade de pontos a considerar além daqueles já descritos.

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