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quarta-feira, 16 de maio de 2007

Fiat Lux! E Deus criou a matemática


A matemática que aprendemos na escola está incompleta. Aprendemos a matemática dos resultados, das aplicações, dos engenheiros. Magicamente as fórmulas nos são dadas, e na sequência um exercício modelo, e depois outro e outro, muito provavelmente bem parecidos. Quando nos falta a fórmula, procuramos em tabelas e livros, ou melhor em nosso Oráculo moderno, o Google, afinal tudo o que havia para ser descoberto (ou inventado) na matemática já foi feito, não é mesmo?

Não estou dizendo que o ensino desta forma está errado, afinal é assim que o mundo vem caminhando, e bem, no avanço da técnica e da tecnologia. Só o considero incompleto e falacioso. Incompleto pois não há espaço para assuntos que ofendem nosso senso de utilidade. Falacioso pois distorce a maneira de como esta ciência foi criada e desenvolvida.

Discuto muito a Ditadura da Utilidade. Quem, em uma aula de matemática, já não se pegou resmungando "Mas pra que serve isso?" ou "Não vou ganhar nada ficando nesta aula." Bom, rebato perguntando porque é que tem que servir para alguma coisa? Ou melhor, o que significa "servir" para algo? O que é mais útil, pergunto novamente, algo que nos deixa mais feliz ou algo que nos traz dinheiro?

Arrisco a dizer que a matemática não trata do "útil". Mesmo quando algum resultado "útil" aflora dela, ele "sai" do domínio da matemática para encontrar lugar em outras cearas, muitas vezes na engenharia, na física e não raro na economia e na biologia sem contar suas eventuais aventuras nas ciências sociais.

Gosto muito de citar o matemático inglês G.H. Hardy, que viveu entre 1877 e 1947. Hardy define um matemático como um criador de padrões, ou seja, estruturas ideais dotadas de espantosa permanência e que, como todas as outras criações humanas, devem poder ser avaliadas pela sua beleza e seriedade.

Há dois pontos no comentário de Hardy que faço questão de ressaltar. Primeiro, é a observação de que a matemática é uma criação humana, fato que a aproxima de todas as outras ciências. Segundo é o que Hardy chamou da espantosa permanência da matemática, o que a distancia das outras ciências. Explico, a matemática é uma ciência cumulativa onde seu corpo sofre apenas adições de conhecimento e nunca subtrações. Todas as outras ciências, inclusive a física sofreram subtrações ou alterações ao longo de sua história.

Posto que é uma criação humana, por que nos parece tão distante, tão austera e enfadonha? Porque nos ensinam assim, suponho. Neste processo de limpeza, lapidação e esterilização usualmente realizado na matemática escrita e ensinada, perdemos a ligação com seu desenvolvimento e com as pessoas que a criaram, suas vaidades, invejas e ambições. É a falácia do ensino da matemática: A forma como nos ensinam matemática não reflete a forma como ela foi desenvolvida.



sexta-feira, 4 de maio de 2007

Número 9376


Na noite de quinta passada (29/03/2007) eu estava estudando uma versão atual da antiga linguagem de programação Smalltalk, uma distribuição chamada Squeak. A arquitetura da linguagem chamou minha atenção para uma série de fatores, porém não havia ningúem para eu discutir o assunto além da Fabiana que, para quem não sabe, é minha esposa.

Algo no meu íntimo dizia que a Fabiana não se interessaria pelos meandros da linguagem, então optei por uma abordagem diferente para ver se conseguia iniciar algum diálogo sobre o assunto:

Olha Fabiana, sua calculadora consegue fazer 2 elevado a 100?
Que? Minha calculadora não tem "elevado".
Ah (suspiro)... Bom, pode ter certeza que ela não faz, pois o número é muito grande.
Sei...
Olha o que o "meu" software consegue fazer?

Neste ponto digitei o comando necessário e "voilà", lá estava o numerão equivalente a 2 elevado a 100. A Fabiana deu de ombros e fingiu estar bastante impressionada. Incentivado pelo "entusiasmo" dela, me engajei em uma cruzada pelos limites da linguagem.

Olha agora, 2 elevado a 1000 !!! e lá estava a resposta
Olha, olha, olha agora, 2 elevado a 3000 !!! eu de novo

E assim foi, a cada novo comando eu chamava a Fabiana para mostrar para ela como os números iam crescendo. 2 elevado a 5000, 6000, 7000, 8000, 10000, 15000 e 20000. Ela sempre respondia com algum comentário do tipo "Sei" ou "Que legal" ou "Nossa" até que em determinado momento sua expressão se alterou de forma que eu pude ler seu pensamento.

Já esperando por uma frase do tipo: "Você já brincou bastante, agora vamos dormir, né?" me surpreendi com o que de fato ouvi.

Faz 2 elevado a 1000 de novo ela disse.
2 elevado a 1000!? É prá já!
Hum... faz agora 2 elevado a 2000 comandou ela novamente
Aí está.
2 a 3000 agora.
Pronto.

Neste ponto o que ouvi foi ainda mais surpreendente, pelo menos para mim.

Engraçado, você reparou que os números sempre terminam com 9376

Olhei para o número, repeti as contas, e sim, de fato, os números da forma 2 elevado a múltiplos de 1000 terminavam todos como 9376. Fiquei intrigado com aquilo e recomecei os testes. Logo descobri que 2 elevado a 500 também resulta num número que termina com 9376, e também 2 elevado a 1500, 2500, 3500, etc... Enfim, conclui que o número 2 elevado a qualquer múltiplo de 500 termina com 9376.

Bom, como qualquer matemático que se preze, eu não estava satisfeito, era ainda necessário provar o que parecia ser uma lei universal. Peguei lápis e papel e comecei a rabiscar. Não repetirei a demonstração aqui, mas de fato, foi possível provar que 2 elevado a qualquer múltiplo de 500 termina sempre com 9376 teorema que, em homenagem a minha esposa, chamarei de Teorema da Fabiana.

Porém, no processo de demonstração, descobri um resultado bastante interessante, e mais fundamental do que o anterior. Descobri que qualquer número que termine com 9376 multiplicado com outro número que termine com 9376 termina com um número que termina com 9376. Observe:

9376 x 9376 = 87909376
8059376 x 129376 = 1042689829376

Este resultado explica o Teorema de Fabiana. Uma vez que 2 elevado a 500 termina com 9376, 2 elevado a 500k (com k inteiro) é igual a 2 elevado a 500 elevado a k, o que obviamente é um número que termina com 9376.

Empolgado com a descoberta de um novo resultado, desconfiei que alguém já poderia ter percebido esta curiosidade. Resolvi pesquisar um pouco no Google. Quem sabe tinha conseguido um resultado original (apesar de pequeno). As primeiras pesquisas foram promissoras, isto é, nada relacionado ao número 9376 referente ao fato recém descoberto. Insisti um pouco mais escolhi novas palavras chaves até quando usei "9376 Math curiosity" e bingo, encontrei alguém que havia percebido o fato.

A referência encontrada era um exercício do livro "Concrete Mathematica" do Donald Knuth e outros dois autores. Knuth é um gênio matemático e da ciência da computação. Foi ele que criou a linguagem TEX na década de 70 e o famoso livro "The Art of Programming Computer". O exercício que citava o resultado começava mais ou menos assim:

"Observe que o número 9376 tem uma interessante propriedade reprodutiva tal que 9376 elevado ao quadrado é igual a 87909376..."

Bom, o resultado que percebemos não foi inédito, nem difícil, nem provavelmente muito importante, porém foi divertido e educativo encontrar mais esta simetria


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