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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Matemática do Playlist


Meu irmão ligou dizendo que já estava perto e que eu deveria descer para ganhar tempo. Era sexta-feira, fim do dia e estávamos nos preparando para irmos ao litoral. Logo ao entrar no carro ele pediu para que eu colocar o novo CD que ele tinha comprado. Tinha 100 músicas e deveria durar a viagem toda e ainda sobrar.

Ele sugeriu que eu selecionasse o modo "randômico", porém frustado, fez o seguinte comentário:

- O randômico desse rádio tá quebrado!
- Como assim, quebrado - disse eu.
- Bom, você vai ver, daqui a pouco vai repetir uma música.
- Ué, e daí, o randômico não garante que as músicas não vão repetir. Já tentou o modo "sequencial"? -respondi irônico.
- Cara, tem 100 músicas no CD, toda a vez que vou pro escritório acabo ouvindo uma música repetida no caminho.

Fiquei intrigado com o comentário, e ainda mais intrigado com o gosto musical do meu irmão, mas afinal o carro era dele. Como fuga para o inferno musical a que fui exposto, meu cérebro logo encontrou consolo nas abstrações platônicas matemáticas, uma higiene mental.

No íntimo eu duvidava que o modo randômico estava quebrado uma vez que é tão fácil implementá-lo computacionalmente. Tentei modelar o problema de maneira a poder tratá-lo, assumi que o modo randômico no caso é equivalente a jogar um dado de 100 lados toda a vez para definir a música que será tocada. É claro que em algum momento repetições irão acontecer, mas a pergunta era, quando?

Matematicamente o que eu buscava era responder qual era o número esperado de músicas a ouvir até que haja a primeira repetição. Na estatística esse conceito tem um nome curioso, se chama "Esperança".

O conceito de Esperança tem um relação forte com a média, por exemplo, suponha que meu irmão anotasse quantas músicas escutou até a primeira repetição todas as vezes que foi ao escritório (assumindo que haja sempre tempo para que alguma repetição ocorra, o que não é verdade). A média deste valor é próximo ao valor esperado que estamos procurando.

Ele poderia tabular os valores conforme a tabela abaixo. Suponha que tenha ouvido o CD 1000 vezes, então a tabela seria algo assim.









Formalmente esse valor deverá ser próximo a expressão abaixo onde P(x) significa Probabilidade de que x ocorra:

1 x P(1 música sem repetição) + 2 x P(2 músicas sem repetição) + ... + 100 x P(100 músicas sem repetição)

O leitor paciente irá constatar que calcular a média aritmética de quantas músicas até a primeira repetição da tabela é próximo ao conceito platônico de "Esperança" dado em função de probabilidades. A pergunta que resta é como calcular as probabilidades. Para ajudar o raciocínio vamos calcular a probabilidade de  ouvirmos exatamente 4 músicas não repetidas, isto é, a repetição ocorrerá necessariamente na quinta música.




O que é equivalente a:




Convertendo os valores para uma forma geral teremos:



onde n = 100 e k = 4

Enfim, reconstruindo a fórmula acima em função dos resultados obtidos acima teremos:





Não consegui ainda uma forma fechada, ou seja, não consegui me livrar do somatório para a fórmula, o que significa que vou precisar usar arsenal computacional. Felizmente o leitor poderá contar com a widget que eu criei para calcular o número esperado de músicas em função do número total do CD.


Por exemplo, meu irmão ficou surpreso em saber que para seu CD esse número é 12, isto é, considerando uma média de 3 minutos para cada música, é esperado que ocorra a primeira repetição 36 minutos depois.

De fato, com o trânsito de São Paulo sexta-feira à noite, ouvimos a primeira repetição antes de chegarmos na imigrantes, onde fui acordado do meu transe matemático com um grito desproporcionalmente estridente do meu irmão:

- AhÁ, eu te disse, o randômico tá quebrado!!!!

10 comentários:

ricardoke disse...

Apenas um comentário importante:

O Irmão não era eu, não sou tão burro assim.

ASS: Ricardo Kundrat Eisenmann (Caca)

ricardoke disse...

Apenas um comentário importante:

Este irmão não era Eu, não sou tão burro assim.

ASS: Ricardo Kundrat Eisenmann

João Gabriel disse...

muito bom!!! 1 post por semana agora?

Salomão disse...

Não foi só seu irmão, conta-se que o randômico do iphone teve de ser "consertado", pois apresentava o mesmo problema.

Anônimo disse...

Por que não da pra fazer a conta com mais de 2000 músicas aqui?

Regina disse...

Tenho 2 comentários:
1. como mãe - pela última linha percebe-se que você captou bem o modo de falar do seu irmão;
2. como matemática - só posso te dar novamente parabéns pelo artigo. Bem escrito, gostoso de ler. Continue divulgando a matemática.

Alexandre Villares disse...

Muito bom o artigo. Já havia ouvido falar que o "shuffle" da Apple não é verdadeiramente randômico para evitar repetições. Li em mais de um lugar que a percepção humana da aleatoriedade é que é quebrada, vemos ordem e propósito onde não há e temos dificuldade em dar conta do verdadeiramente aleatório.

Alex Eisenmann disse...

Verdade, também li que a apple mudou a forma em que faz o shuffle em função da percepção que as pessoas tem de randômico. Outra alternativa é embaralhar as músicas como se fossem cartas de um baralho. Desta forma repetições nunca ocorrem, mas novamente, fere a percepção que as pessoas tem de randômico afinal, se é randômico, em algum momento deve haver repetições.

MADRID disse...

Excelente postagem Alexandre! Agradecendo sua visita no blog aproveito para lhe dizer que será um prazer contar com sua participação no “Matemática Na Veia”. Tenho certeza que se você participar da criação de artigos no blog, eu e os visitantes ganharemos muito em qualidade, além de vários outros fatores. Um abraço, aguardo notícias suas."Alea jacta est" .

Mauro disse...

Bah, que clareza de raciocínio e explicitação. Parabéns e obrigado!

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