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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Paradoxo dos Aniversários


Experimente perguntar a seus colegas de trabalho qual é a chance de que duas pessoas ao menos compartilhem o mesmo dia de aniversario entre as 23 pessoas de um jogo de futebol (11 de cada lado mais o juiz).

As respostas irão variar, é claro, mas entre não iniciados na arte matemática, elas gravitarão em torno de "baixa", "muito baixa" e "pequena".  Alguns terão a oportunidade de mostrar o desinteresse típico a assuntos quantitativos dando de ombros enquanto outros sorrateiramente caminharão para o cafezinho disfarçando certa fobia que carregam desde os tempos de escola.

Porém alguns estarão lá, abertos a sua pergunta, ansiosos por declarar sua opinião, esses poderão ser salvos. Para estes, mantenha a tez serena, a voz baixa porém firme, e no tom mais arrogante que conseguir professe casualmente: "Bom, as chances são maiores do que sair cara no cara ou coroa". 

Nesse momento você ainda perderá mais algumas almas. Os motivos são diversos e desconhecidos em sua totalidade, variam desde o total não entendimento do problema até a aversão ao convite para uma digressão quantitativa. Espere neste ponto ouvir frases como "Não me interesso muito por futebol", "Sempre fui mal em matemática" ou "Viu o jogo ontem?"

Por outro lado se ouvir frases como "Impossível!", "Você esta errado" ou "Claro que não, as chances são 1/365" tenha certeza que está lidando com um público de maior sofisticação quantitativa. Neste caso é sua hora de brilhar, terá enfim a oportunidade de explicar porque as chances são tal altas assim, maiores do que 50%.

O que confunde as pessoas é a tendência de imaginar este problema sob o ponto de vista pessoal, isto é, as pessoas imaginam que não é fácil encontrar alguém com a mesma data de aniversario delas próprias, portanto a ocorrência deste fenômeno deve ser bastante baixa. 

Porém, esta não é a perspectiva correta, lembre-se que o problema não é sobre as chances de encontrar alguém com o mesmo aniversário do que você num grupo de 23 pessoas, o problema é sobre encontrar colisões de aniversários entre todas as duplas possíveis de se formar com 23 pessoas. 

Enfim, num grupo de 23 existem 253 duplas (combinação 23, 2 a 2). Para que não ocorram conflitos de aniversario, nenhuma dupla devera compartilhar as mesmas datas. A probabilidade de que uma dupla não compartilhe aniversários é alta, exatamente igual a 364/365.

Para ver isso, note que as chances de jogarmos 2 dados e não obtermos dois números iguais é 5/6. Pode parecer trivial para alguns, mas confiem em mim, muitos irão desistir da leitura nesse ponto (como meu irmão por exemplo). Novamente, independente do resultado do primeiro dado, o segundo não poderá ser igual, então as chances são 5/6. Analogamente as chances de que uma dupla não compartilhe aniversário é 364/365. (ignoremos anos bissextos por favor)

Portanto, as chances de que não hajam compartilhamento de aniversários em nenhuma das 253 duplas é igual a:

364/365 x 364/365 x 364/365 x … x 364/365 (253 vezes)

isto é igual a (364/365)^253

Inversamente, as chances de que haja ao menos uma ocorrência de compartilhamento de aniversario é exatamente 1-(364/365)^253, o que resulta em algo um pouco maior do que 50%

Em teoria, estas chances são ainda maiores do que encontrar duas pessoas com o mesmo primeiro nome, afinal o tamanho do conjunto de nomes disponíveis é bem maior do que 365 ocasionando em menos colisões de nomes em potencial. (o que não é bem verdade, pois os nomes da moda são escolhidos com muito maior frequência do que nomes mais raros) 

Para terminar sua exposição, inquira a audiência (se é que ainda sobrou alguém) para saber se há alguma colisão de aniversários insuspeitos até o momento. Se tiver essa sorte passará a ser respeitado como um novo guru do escritório. Apesar de não provar nada, esse simples fato, ao invés das contas anteriores, parece dar certeza as pessoas de que você estava de fato certo afinal.

Como desafio final a seus colegas pergunte quais são as chances de encontrar, no mesmo grupo, duas pessoas que compartilhem o mesmo mês de aniversário. Sua audiência, agora já treinada, irá responder com segurança que as chances são altas ou bem altas, afinal a chance de colisão é muito mais alta agora. Os mais matematicamente inclinados irão até rabiscar 1-(11/12)ˆ66, porém eles estarão novamente enganados! As chances são 100%, ou seja não há como não haver colisões de meses de aniversário entre um grupo maior do que 12 pessoas. Deixo ao leitor a tentativa de encontrar uma explicação para este fato.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Matemática do Playlist


Meu irmão ligou dizendo que já estava perto e que eu deveria descer para ganhar tempo. Era sexta-feira, fim do dia e estávamos nos preparando para irmos ao litoral. Logo ao entrar no carro ele pediu para que eu colocar o novo CD que ele tinha comprado. Tinha 100 músicas e deveria durar a viagem toda e ainda sobrar.

Ele sugeriu que eu selecionasse o modo "randômico", porém frustado, fez o seguinte comentário:

- O randômico desse rádio tá quebrado!
- Como assim, quebrado - disse eu.
- Bom, você vai ver, daqui a pouco vai repetir uma música.
- Ué, e daí, o randômico não garante que as músicas não vão repetir. Já tentou o modo "sequencial"? -respondi irônico.
- Cara, tem 100 músicas no CD, toda a vez que vou pro escritório acabo ouvindo uma música repetida no caminho.

Fiquei intrigado com o comentário, e ainda mais intrigado com o gosto musical do meu irmão, mas afinal o carro era dele. Como fuga para o inferno musical a que fui exposto, meu cérebro logo encontrou consolo nas abstrações platônicas matemáticas, uma higiene mental.

No íntimo eu duvidava que o modo randômico estava quebrado uma vez que é tão fácil implementá-lo computacionalmente. Tentei modelar o problema de maneira a poder tratá-lo, assumi que o modo randômico no caso é equivalente a jogar um dado de 100 lados toda a vez para definir a música que será tocada. É claro que em algum momento repetições irão acontecer, mas a pergunta era, quando?

Matematicamente o que eu buscava era responder qual era o número esperado de músicas a ouvir até que haja a primeira repetição. Na estatística esse conceito tem um nome curioso, se chama "Esperança".

O conceito de Esperança tem um relação forte com a média, por exemplo, suponha que meu irmão anotasse quantas músicas escutou até a primeira repetição todas as vezes que foi ao escritório (assumindo que haja sempre tempo para que alguma repetição ocorra, o que não é verdade). A média deste valor é próximo ao valor esperado que estamos procurando.

Ele poderia tabular os valores conforme a tabela abaixo. Suponha que tenha ouvido o CD 1000 vezes, então a tabela seria algo assim.









Formalmente esse valor deverá ser próximo a expressão abaixo onde P(x) significa Probabilidade de que x ocorra:

1 x P(1 música sem repetição) + 2 x P(2 músicas sem repetição) + ... + 100 x P(100 músicas sem repetição)

O leitor paciente irá constatar que calcular a média aritmética de quantas músicas até a primeira repetição da tabela é próximo ao conceito platônico de "Esperança" dado em função de probabilidades. A pergunta que resta é como calcular as probabilidades. Para ajudar o raciocínio vamos calcular a probabilidade de  ouvirmos exatamente 4 músicas não repetidas, isto é, a repetição ocorrerá necessariamente na quinta música.




O que é equivalente a:




Convertendo os valores para uma forma geral teremos:



onde n = 100 e k = 4

Enfim, reconstruindo a fórmula acima em função dos resultados obtidos acima teremos:





Não consegui ainda uma forma fechada, ou seja, não consegui me livrar do somatório para a fórmula, o que significa que vou precisar usar arsenal computacional. Felizmente o leitor poderá contar com a widget que eu criei para calcular o número esperado de músicas em função do número total do CD.


Por exemplo, meu irmão ficou surpreso em saber que para seu CD esse número é 12, isto é, considerando uma média de 3 minutos para cada música, é esperado que ocorra a primeira repetição 36 minutos depois.

De fato, com o trânsito de São Paulo sexta-feira à noite, ouvimos a primeira repetição antes de chegarmos na imigrantes, onde fui acordado do meu transe matemático com um grito desproporcionalmente estridente do meu irmão:

- AhÁ, eu te disse, o randômico tá quebrado!!!!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O Lamento de um Matemático



Navegando a esmo pela internet tropeçei em um brilhante ensaio sobre o estado da educação matemática nos Estados Unidos. Escrito pelo professor de matemática Paul Lockhart, o Lamento de um Matemático (A Mathematician's Lament) é um texto poético, inspirador, mordaz e iconoclasta. O autor posiciona a matemática como arte ao lado da música e da pintura e descreve como o sistema educacional americano contribui para a total esterilização desta arte ancestral na educação. Lockhart cita o matemático inglês G H Hardy para ilustrar sua posição neste belíssimo trecho:
Um matemático, como um pintor ou poeta, é um criador de padrões. Se seus padrões são mais permanentes, é porque são feitos com idéias. (A mathematician, like a painter or poet, is a maker of patterns. If his patterns are more permanent than theirs, it is because they are made with ideas.)
O autor recorre ao dialogo à moda de Galileu Galilei para enriquecer seu lamento, Simplicio e Salviati voltam a debater sobre a maneira como a matemática deve ser ensinada dando cor ao argumento central de que o sistema educacional transforma esta arte numa enfadonha e asséptica disciplina onde o aluno é treinado (em oposto a ensinado) a memorizar fórmulas e outros procedimentos.

Vibrei quando o autor tocou no assunto do que chamei “A ditatura da utilidade” neste post aqui. As motivações que levaram as criações matemáticas são raramente de fundo prático mas sim de caráter estético. Em busca da beleza, harmonia, simetria e principalmente simplicidade os matemáticos e matemáticas do passado e de hoje compõem suas idéias e teoremas. Eventualmente algumas verdades encontram utilidade no cotidiano, mas isso é apenas um efeito colateral que pouco contribuiu ou contribui para a criação desta ciência.

As idéias que afloraram deste processo criativo são muito mais importantes do que o resultado em si. Fazer matemática é mais importante do que saber matemática. No processo de construção há espaço para criatividade, erros e acerto, arte e engenharia, preconceito, inveja, traição, altruísmo, louvor, soberba, alegria, ganância, vaidade, etc, enfim todas as facetas da experiência humana. O resultado pronto, quando devidamente limpo e esterilizado corre o risco de apresentar só um dos aspectos desta palheta, o pedantismo, que amedronta e afugenta os alunos.

Como o professor poderá guiar o aluno em criar matemática se o mesmo nunca criou, nunca desenvolveu intuição suficiente que só vêm da prática? Muitos irão argumentar que os alunos precisam usar matemática e não criar. Eu discordo, quantos de nós hoje usamos matemática? Virtualmente ninguém, ou seja, não aprendemos nada do que fomos ensinado. O argumento que usamos matemática quando fazemos contas é vazio, afinal como Lockhart sugere, fazer contas com as quatro operações está tão longe da arte matemática quanto pintar por números (Paint-by-numbers) está longe da arte da pintura.

Acredito que o entusiasmo transmitido pelo professor é poderosíssimo no processo de aprendizagem. Um professor entusiasmado provoca na cabeça do aluno algumas dúvidas de estupendo efeito pedagógico: "Porque esse cara está tão entusiasmado com isso?", "O que ele vê que eu não vejo?". Como um professor pode se entusiasmar com algo que ele nunca viveu, que ele nunca participou.

A crítica de Lockhart é para o sistema americano, mas o mesmo é válido para o sistema brasileiro, variando em nuances. Em especial acho o problema do pedantismo no Brasil é mais grave do que nos EUA. A elite brasileira ainda acha bonito ser pedante. Concluo isso baseado em livros didáticos de matemática para o curso superior. Os livros escritos por americanos são fáceis de ler, notação simples, econômicos em definições e partes enfadonhas. Os livros escritos por brasileiros são em geral herméticos, chatos e de difícil entendimento.

Outro problema da educação matemática brasileira é a moda da contextualização. Muitos professores em nome da modernização procuram encontrar alguma aplicação prática para o assunto abordado, mesmo quando o mesmo não possui aplicação prática real. Esse esforço acaba poluindo a literatura matemática com exemplos artificiais que só geram desconfiança por parte do aluno. Muitos professores esquecem que o contexto no qual o tal conteúdo foi criado foi muitas vezes à busca por beleza, elegância, critérios que são automaticamente desqualificados como motivador interessante.

Enfim, lendo o texto de Lockhart encontrei eco para muitos de meus pensamentos sobre a educação matemática. Estou curioso em saber o que outros pensam sobre o assunto e gostaria que o leitor compartilhasse sua opinião sobre a situação da educação matemática no Brasil.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Revolução dos Nerds


Toda criança sonha com o "que vai ser quando crescer". No meu tempo a resposta era óbvia, queria ser astronauta. Nasci em 73, 4 anos após o primeiro homem pousar na lua, portanto é compreensível que eu e meus amiguinhos estivéssemos apenas refletindo o que a mídia bombardeou nos adultos da época, nossos pais e tios. 

Ser astronauta naquela época era tão difícil quanto ser astronauta hoje e aqueles que levaram o devaneio da infância até a adolescência e juventude só se frustraram (menos um, o Marcos Pontes, o primeiro... e único astronauta brasileiro http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcos_Pontes)

Sei de um caso curioso, de um primo meu, o Matheus, agora adolescente, que inteligentemente adotou uma estratégia totalmente diferente e, diga-se de passagem, vencedora. Quando inquerido há uns 10 anos sobre a pergunta, respondeu no mesmo momento: "Quero ser adulto". Bom Matheus, parabéns! Você está prestes a conquistar seu sonho de infância, enfim já é quase um adulto!

Hoje me pergunto o que as crianças querem ser quando crescer. Minha filha tem apenas 9 meses, portanto terei que esperar algum tempo para saber. De qualquer forma, aposto que não vai ser astronauta, afinal, os tempos são outros. Para ajudar as crianças de hoje fiz uma exaustiva pesquisa no google atrás das melhores profissões possíveis e, quem diria, encontrei o que queria. Compartilho com vocês a reportagem do Wall Street Journal sobre as melhores e piores profissões http://online.wsj.com/article_email/SB123119236117055127-lMyQjAxMDI5MzAxNjEwOTYyWj.html.

Deu a lógica afinal, a melhor profissão possível é o futuro sonho de consumo de toda criança, ser Matemático. O incrível é que as profissões seguintes também são altamente matemáticas: Atuário, Estatístico, Biólogo (????? ok... biólogo não), Engenheiro de Software e Analista de Sistemas Computacionais. Depois de Bill Gates, Steve Jobs e o casal andrógino do Google, parece que a revolução dos nerds está realmente acontecendo. 

Para manter a simetria, informo que a pesquisa aponta a profissão de Lenhador como a pior. Na onda do politicamente correto, dificilmente derrubar árvores será bem visto por alguém. De qualquer forma, o ponto alto da reportagem é a ilustração que reproduzo aqui. Apesar de ser a melhor profissão o matemático ainda não perdeu seu estereótipo característico: Nerd, gravata borboleta, perdido em suas abstrações. 

Aos poucos a matemática vem ressurgindo como uma profissão interessante. Alicerce das ciências e do desenvolvimento tecnológico, a matemática é muitas vezes considerada prioridade por dirigentes com política educacional consistente. Aumentar o interesse das crianças por matemática parece ter relação com o futuro desenvolvimento do país. Enfim, cedo ou tarde o estereótipo ao lado irá mudar, em pouco tempo você verá uma comédia americana focada no público adolescente onde o quarterback do time da escola, além de conquistar a chefe de torcida, é também bom em matemática. http://blog.estadao.com.br/blog/link/?title=o_poder_de_atracao_dos_nerds&more=1&c=1&tb=1&pb=1 

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

De São Paulo para a Nova Zelândia


Partindo de São Paulo de avião, qual é a capital brasileira que devemos sobrevoar se desejarmos ir para Wellington, capital da Nova Zelândia e cidade onde estou morando, em linha reta no menor caminho possível?

Pense um pouco no assunto sem continuar a leitura e procure tentar visualizar o globo terrestre, o Brasil, a Nova Zelândia, e o caminho entre estas duas cidades. Se não souber onde ficam esses lugares, pare tudo o que está fazendo e pesquise, afinal não custa nada.

Curiosamente, o caminho mais curto, que calculei com a ajuda do Google Maps, passa exatamente em cima de outra capital brasileira que desafio o leitor a descobrir.

Este caminho mais curto não é uma reta, mas uma curva que acompanha a superfície da Terra, tipicamente chamada de Geodésica. Na realidade, no mundo real, dificilmente uma reta, no sentido euclidiano, será o caminho mais curto para quaisquer dois pontos. Até mesmo o caminho para objetos bastante próximos são, na realidade, curvas.

Assim, a geometria euclidiana (aquela que aprendemos na escola), é um domínio puramente abstrato e platônico e dificilmente encontra reflexo no nosso mundo. Por outro lado, ela é uma excelente aproximação para grande parte de nosso contato cotidiano com a geometria.

Voltando a pergunta proposta, qual é a capital brasileira que está exatamente no caminho mais curto entre São Paulo - Wellington. A resposta é Porto Alegre e o leitor pode acompanhar o caminho no mapa que coloquei abaixo. Se quiser chegar até Wellington pegue o mouse e vá arrastando. Por incrível que parece essa curva traçada em vermelho é o caminho mais curto entre essas duas cidades.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Protocolo Isento de Inveja


Realizar partilhas entre irmãos é sempre problemático para os pais. Invariavelmente os envolvidos irão reclamar que os outros receberam uma parcela maior do bolo do que eles próprios. No final, sempre alguém sente inveja de alguém.

Por outro lado, pais experientes sabem que quando têm apenas dois filhos, é sempre possível definir um conjunto de regras que garanta uma escolha justa. É o famoso "eu corto, você escolhe". Um dos filhos corta o bolo, enquanto o outro escolhe o primeiro pedaço.

Observe que nenhum pode sentir inveja do outro (pelo menos idealmente). O filho que cortou o bolo tem certeza de que dividiu o bolo pela metade, enquanto o outro também não pode sentir inveja pois escolheu o primeiro pedaço.

Este procedimento tem até nome científico, é o Protocolo Isento de Inveja. Se seguirmos um protocolo isento de inveja podemos garantir que cada participante da partilha receba ao menos 50 por cento (para 2 participantes) do bolo em sua própria media. Em outras palavras o protocolo isento de inveja garante que todos os envolvidos pensem que escolheram um dos maiores pedaços.

Até aqui, nenhuma novidade, todos conhecemos este procedimento ancestral. A novidade ocorre quando tentamos resolver o problema para famílias com quantidades de crianças diferente de dois. A pergunta afinal é, existe um protocolo isento de inveja para n irmãos.

Protocolo do filho único

Bom, matemáticos adoram uma observação óbvia, então defino aqui o protocolo do filho único, que também é isento de inveja. Podemos explicá-lo mais ou menos assim: "eu não corto, e escolho o bolo todo". Note que o procedimento garante que a criança não sinta inveja dela mesma, correto? Enfim, o protocolo do filho único é um protocolo isento de inveja para n=1 irmãos.

Protocolo isento de inveja para 3 irmãos.


Agora vem a novidade. Incrivelmente, existe um protocolo isento de inveja para 3 irmãos, e vou procurar descrevê-lo abaixo. Chamarei os irmãos de Paulo, Ricardo e Eduardo. Na realidade escolhi os nomes de meus irmãos reais na esperança de cativá-los para um experimento. Como todos eles trabalham pouco e ganham muito tenho certeza de que dispõem de um tempo para a ciência:

  1. Paulo corta o bolo em 3 pedaços que considera iguais.
  2. Ricardo observa os pedaços e apara o que considerar maior, deixando o naco à parte.
  3. Eduardo então escolhe um dos 3 pedaços principais, seguido de Ricardo e Paulo. Há um porém, se Eduardo não escolheu o pedaço que foi cortado (não o naco, o pedaço cortado), Ricardo deverá escolhê-lo. Quem pegou o pedaço cortado será chamado de X e o outro será chamado de Y. Note que X e Y serão Ricardo ou Eduardo dependendo desta escolha.
  4. Agora vamos ao naco. Y corta o naco em 3 pedaços que considera iguais.
  5. X escolhe o primeiro pedaço do naco, depois Paulo, depois Y.

Pais cuidadosos deverão garantir que o procedimento acima é realmente livre de inveja. Para ajudá-los listo algumas observações.

  • Paulo não pode sentir inveja de ninguém, afinal dividiu o bolo em três partes que considera iguais e ficará com certeza com uma delas. De quebra, ganhará um pedaço do naco.
  • Ricardo não pode sentir inveja pois tem o direito de acertar a escolha que Eduardo fará aparando o pedaço que eventualmente considerar maior. Também terá o direito da primeira ou segunda escolha na divisão do naco.
  • Eduardo também não pode sentir inveja pode será o primeiro a escolher um dos pedaços depois que Ricardo aparar um pedaço. Além disso, se escolher o pedaço não aparado definirá a forma que o naco é dividido. Se não escolher o pedaço aparado, será o primeiro a escolher um pedaço do naco.

Apesar de mais complicado, o procedimento é válido é garante uma partilha livre de inveja. Para famílias mais numerosas, com mais de três filhos é ainda possível definir um protocolo livre de inveja como podemos verificar pelo artigo de Steven J. Brams e Alan D.Taylor chamado An Envy-Free Cake Division Protolo (Uma divisão de bolo livre de inveja). Apesar do nome, o artigo é sério e de fato estabelece que sempre é possível definir o protocolo para qualquer número de participantes.

Protocolo do irmão mais velho.

Como primogênito, há muito tempo defini um protocolo ótimo e bastante aplicável para os interesses do filho mais velho quando o assunto é a divisão do bolo. O protocolo do irmão mais velho pode ser definido com a frase: "eu corto, eu mesmo escolho". Ao contrário do protocolo isento de inveja, o protocolo do irmão mais velho visa atender aos interesses do filho mais velho.

Muitos de vocês se enganam se acham que a estratégia ótima a seguir para o filho mais velho é pegar 100% do bolo para si mesmo e deixar 0% para os demais irmãos. Neste caso, os irmãos mais novos retaliariam com choro o que chamaria a atenção dois pais que interviriam e aplicariam um protocolo muito mais injusto na perspectiva do filho mais velho: "os pais escolhem e dão para cada filho o que acham justo".

A arte de perseverar e maximizar os ganhos seguindo o protocolo do irmão mais velho é pegar o maior pedaço possível sem que os irmãos chorem ou adotem quaisquer outras formas de represálias. Observe que os irmão mais novos, mesmo pegando uma parcela menor do que 1/n podem optar por não chorar e se contentar com este pedaço. Chorar até que os pais tomem uma atitude tem seu custo em estresse e investidas a posteriori de um irmão mais velho enfurecido.

Se puxar bem pela memória, o leitor irá lembrar alguma cena de desenho animado onde um personagem corta um bolo em uma pequena fatia na intenção de partilhá-lo com o outro personagem. Porém, inesperadamente, o mesmo personagem que cortou a fatia devora o bolo todo deixando a pequena fatia para outro personagem. Temos aqui a mais pura aplicação do protocolo do filho mais velho.

O Problema dos Piratas

Para terminar, gostaria de deixar para o leitor um desafio muito interessante, cuja resposta é a a busca de uma estratégia ótima seguindo uma espécie de do protocolo do irmão mais velho. Dizem que o desafio é, ou foi utilizado no recrutamento de empresas como Microsoft ou Google (Como mover o Monte Fuji de William Poundstone). O problema é assim.

Cinco piratas pilharam um pote com 100 moedas de ouro. Para dividir as moedas entre eles, definiram o seguinte protocolo.

  1. O pirata mais velho propõem uma partilha.
  2. Todos votam, inclusive o mais velho. Se a partilha for aprovada pela metade ou mais, realiza-se a partilha como proposto, caso contrário, mata-se o pirata mais velho, e a palavra é passada para o segundo pirata mais velho reiniciando o processo.

A pergunta é: Você é o pirata mais velho, que partilha você propõem de maneira a maximizar o seu ganho?

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Grau de Investimento


Hoje o Brasil ganhou o famigerado "grau de investimento". A agência de classificação de risco Standard & Poor's elevou a nota do país para BBB- sinalizando que o Brasil é hoje um país capaz de saldar seus compromissos financeiros. A bolsa subiu instatâneamente, o dolar caiu, e o país dá mais um passo em direção a estabilidade econômica.

Muitos brasileiros irão, pela primeira vez, colocar parte de seu rico dinheirinho na bolsa, pressionados pela histeria da mídia, amigos, parentes, e histórias de sucesso por todos os lados. Enfim, é um bom momento para lembrar que nossa vergonhosa imperícia para lidar com porcentagens pode ser bastante perigosa.

Suponha que você comprou algumas ações hoje, sua estréia na bolsa. No primeiro mês, o valor da ação aumentou 5%, no segundo mês, o valor caiu 5%. Bom, pensará você, não perdi nem ganhei nada, afinal tudo o que subiu mês passado, caiu neste mês. Certo?

Errado, você perdeu dinheiro, supondo que o valor inicial foi R$ 100,00, no primeiro mês você tinha R$ 105,00. Porém no final do segundo mês suas ações valiam 105x0,95 = R$ 99,75

Agora, suponha o inverso, que inicialmente sua ação caiu 5%, porém no outro mês ela subiu, os mesmos 5%. Agora ganhei dinheiro afinal, pensará você.

Errado de novo, você perde novamente! No final do primeiro mês você terá $95,00, e no final do segundo o valor será 95x1,05 = R$ 99,75

De qualquer modo, sempre que suas ações oscilarem de maneira que a porcentagem de aumento seja igual a de queda, você perde dinheiro. Aplicando por um ano, se as ações subirem 5% em 6 meses, e cairem 5% nos outros 6 meses, você perderá dinheiro, independente da ordem em que os aumentos ou quedas ocorram.

Agradecimentos

Recebi o curioso exemplo acima de um colaborador homônimo. A primeira vista é algo estranho, afinal meu nome não é lá muito comum. Quantos Alexandre Eisenmann você conhece? Porém, uma análise mais detalhada mostrou que tal colaborador é meu parente, irmão mais novo de meu pai, portanto meu tio. Bom, pelo menos minha família está lendo o blog!! Oi tio!
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